Por Filipe de Paiva
(Imagem: internet)
Dormir
menos com o passar do tempo, ficar desorientado e mal humorado com mudanças de
fuso horário, sentir fome fora de hora. Todos nós conhecemos alguém que sofre
com a irregularidade – ou a regularidade excessiva – de seu ritmo interno. É
que o relógio do corpo nem sempre corresponde aos horários estabelecidos
socialmente e a simples quantidade de luz em um lugar pode influenciá-lo,
explicam cronobiólogos, cientistas responsáveis por estudar as funções
temporais dos seres vivos. Ponteiros desajustados insônia, ansiedade, fadiga e
até depressão, alertam especialistas.
O
primeiro passo para evitar problemas é acertar o ritmo circadiano, uma
expressão que vem do latim “circa diem” e significa “cerca de um dia”. Cada
ritmo circadiano (sim, existem vários atuando no organismo, e o mais famoso é o
responsável por controlar o sono) respeita um ciclo de aproximadamente 24
horas. A ciência que estuda estes ritmos é a cronobiologia. Segundo Edson
Delattre, doutor em Ciências Biológicas e pesquisador de Ritmos Circadianos no
Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), a comunidade científica acredita que a evolução favoreceu os seres
que possuíam um relógio interno. “Os demais pereceram”, diz.
São
os ritmos circadianos que estão por trás do dormir e do acordar. “Embora estes
ritmos sejam gerados pelos próprios organismos, eles são ajustados aos ciclos
ambientais”, explica o professor John Fontenele Araujo, do Núcleo de Pesquisa
em Ritmicidade, Sono, Memória e Emoção do Departamento de Fisiologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A própria rotação da Terra
influencia neste processo, pois é ela que origina os dias e as noites. A retina
comunica ao cérebro, através dos nervos ópticos, se está claro ou escuro. A
informação é enviada, então, para o Núcleo Supraquiasmático (NSQ), que fica
localizado em uma região do cérebro chamada hipotálamo. É o NQS que controla o
relógio biológico, os horários do corpo.
A
lógica é simples. Quando há luz, o corpo recebe a ordem de diminuir a produção
de melatonina. Quando está escuro, a produção aumenta. A melatonina é um
hormônio que estimula as estruturas cerebrais responsáveis por relaxar e
induzir ao sono. É por isso que durante o dia se está no chamado estado de
vigília, que se usa para trabalhar, estudar e se exercitar; e à noite a
preferência é por atividades mais tranqüilas e, por fim, uma cama bem
confortável. “Ela ajusta o organismo para dormir”, diz Araujo sobre a
melatonina. A luz e sua ausência são as responsáveis por manter o relógio
humano em bom funcionamento. “No caso do ser humano, o ciclo claro-escuro é o
agente sincronizador fundamental”, afirma Delattre.
O
relógio biológico é tão forte que, mesmo em um lugar onde não seja possível
identificar se está claro ou escuro, como uma caverna, ele mantém os horários
aos quais se acostumou. Isto dá uma noção de dia ou noite, mesmo que não haja
como saber com certeza. Mas passar tempo demais em um local como este pode
desajustar o relógio. Além disso, há um leque de fatores que podem desorientar
os ritmos circadianos, e quando eles saem dos trilhos, os resultados incluem
insônia, ansiedade, fadiga, mau humor e até depressão.
A
idade é um deles. Ao envelhecer, algumas células começam a ser perdidas – inclusive
no cérebro. Isto afeta o NQS e, consequentemente, a produção de melatonina. O
cérebro “esquece” de mandar o corpo produzir melatonina, e como resultado o
relógio biológico dos idosos perde sua sincronia, fazendo com que muitos tenham
dificuldades para dormir. “Além disso, os nossos olhos ficam menos sensíveis à
luz, prejudicando mais ainda nossa capacidade de sincronização”, alerta Araujo.
Delattre reitera que o envelhecimento prejudica a consolidação do sono e
diminui sua estabilidade.
Outro
complicador dos ritmos circadianos é o horário de verão. Nele, a luz dura até
mais tarde – e demora mais a aparecer na manhã seguinte. Isto bagunça o ritmo
circadiano. “É como se a orquestra desafinasse, já que os instrumentos soam em
momentos inadequados”, brinca Delattre. Mas não há razões para entrar em
pânico. O relógio biológico se adapta ao horário de verão depois de algum
tempo. “Aproximadamente uma semana”, afirma Araujo.
Juntando-se
à liga dos vilões estão as viagens que cruzam meridianos. A mudança de fuso
horário que ocorre ao transpassar estas linhas imaginárias tem efeito como o do
horário de verão. A diferença é que em vez de apenas uma hora, uma viagem
meridional pode afetar o relógio biológico em até 12 horas, para mais ou para
menos. É o fenômeno conhecido como Jet-lag.
No
entanto, apesar de o mecanismo ser o mesmo para todo mundo, nem todos os
relógios são iguais. A genética garante que todos sejam diferentes, e não
apenas na aparência, mas também nos horários. Há quem funcione melhor pela manhã,
mas também há quem praticamente não exista antes do meio-dia – e não são
dorminhocos preguiçosos, são assim por causa de seu DNA. “Isto é determinado
geneticamente e não há como mudar”, firma Delattre.
O
ritmo circadiano também é teimoso. Um exemplo está na alimentação. Pode-se
tentar mudar os horários das refeições, seja em busca de saúde, seja para se
adaptar a um novo estilo de vida, mas a fome continuará vindo na hora de
sempre, e por um bom tempo. Para ajustar o relógio biológico, é preciso ser mais
teimoso que ele e insistir em manter os novos horários até ele se acostumar. A
principal dica é ter paciência. “Sentimos dificuldade porque queremos mudar
muito rápido”, alega Araujo.
E a
própria alimentação também influi no relógio biológico. A comida é o
combustível do ser humano. Logo, no período da manhã, por exemplo, há menos
combustível, por causa do período que se passou dormindo, sem consumir nenhum
alimento. Assim, o organismo recebe do cérebro a mensagem de que precisa
acordar para se reabastecer.
Se o
relógio biológico estiver com os ponteiros desajustados, voltar ao normal não é
impossível. Uma dica fácil e bastante funcional é se expor ao sol,
principalmente ao levantar de manhã. Assim, o corpo saberá que é hora de ficar
acordado. Em casos menos simples, pode-se buscar orientação médica e
administrar melatonina no corpo. Delattre aponta o tratamento fótico e a
ingestão de melatonina como duas das principais soluções para regular os ritmos
circadianos.
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